Embora o frenesi dos sites de descontos tenha diminuído, nunca é tarde para discutir os méritos dessa estratégia de marketing.
Por Shand Lenim
No ano de 2011 a vedete de consumo foram os sites de compras coletivas. Ficou evidente que um desconto significativo pode criar uma multidão de entusiastas. Por que não fazer uso dessa multidão disposta a fazer negócios? Por que não tomar a dianteira e aumentar a clientela?
No entanto, promover o seu negócio através de compras coletivas pode ser um tiro no pé, além de eticamente ser uma faca de dois gumes como veremos a seguir.
A questão ética
Clínicas e consultórios possuem grandes barreiras éticas em relação ao uso de sites desse tipo. A primeira delas é: podemos ofertar publicamente e em massa uma terapêutica? Criar a demanda por vacinas ou exames sem orientação ao cliente, baseando-se na compra por impulso é mercantilizar a atuação do veterinário. Quão diferente isso é de um outdoor ou um cartaz exibindo promoções na rua?
A segunda barreira: ainda que pudéssemos ofertar publicamente uma terapêutica, o quão benéfica essa promoção é para você, seus colegas e sua profissão? O cliente eventual não enxerga uma promoção; ele na verdade passa a considerar o preço original como um embuste. “Se é uma profissão tão qualificada, suada e exigente, por que estão com promoção no site X?”. De fato, por que?
Diversos CRMVs pelo país, como o CRMV SP, CRMV MT e CRMV PR desaconselham expressamente a utilização por parte do médico veterinário de promoções via sites de compras coletivas, baseados na Resolução CFMV n° 722, que aprova o Código de Ética do Médico Veterinário, e que segundo o art. 21, não permite “a prestação de serviços gratuitos ou por preços abaixo dos usualmente praticados, exceto em caso de pesquisa, ensino ou de utilidade pública.”
Há uma razão para o Código de Ética estipular isso: a disputa por preços nivela por baixo os anos de especialização do médico veterinário, o treinamento de sua equipe, o investimento em sua infraestrutura e a de todos no ramo, seja na clínica ou no laboratório. A promoção em massa de vacinas e exames nada mais é do que uma declaração de mediocridade para possíveis clientes.
A questão mercadológica
Em estudo da revista Focus, da Ontario Veterinary Medical Association, no Canadá, fica demonstrado que o preço não está sequer entre as cinco maiores prioridades de um cliente de clínica veterinária. Fatores como “cuidado no manejo do animal” e “boa reputação” são significativamente mais importantes na escolha de uma clínica veterinária. É claro que existem diferenças sócio-econômicas gritantes entre Canadá e Brasil, mas com o crescimento atual da economia brasileira, não é improvável que consumidores das classes emergentes deixem de procurar serviços baseados unicamente em preço.
Mas digamos que você não seja médico veterinário, e tenha um banho e tosa. A questão ética não se aplica. Vamos por um momento ignorar esse estudo, e assumir que o preço é o único impulso que leva as pessoas à sua porta, e então você decide vender pacotes de banho por um preço simbólico para atrair a clientela. Parabéns! Você agora está em um dilema. Os consumidores ficam na esperança de nunca mais pagar integralmente por seus serviços, e você com a de que os novos clientes vão ficar por perto para pagar preços integrais no futuro.
Dilemas à parte, digamos que você ofereça um banho de R$9 ao invés do preço normal de R$18, e possa ter 20 clientes por dia. Se a sua agenda permanecer lotada em banhos de R$9 você faz R$180, o que é o mesmo que dez banhos de preço normal – o que significa que em um dia de dez banhos, sua equipe se estressa menos, podendo ser até dispensada mais cedo, em um dia quieto mas igualmente lucrativo.
Mesmo pensando que talvez possamos compensar em serviços adicionais além do banho, oferecer promoções atrai clientes barateiros, que não vão gastar metade do que um cliente fiel gastaria normalmente.
É claro que a promoção tem as suas vantagens. Ela aumenta a brand awareness (conhecimento da empresa pelo público), e estatisticamente, sempre existem alguns clientes que de fato retornam para consumir em preço integral. Mas o custo é alto: a maioria dos sites de cupons oferece promoções a 50% de desconto, e então pega metade do dinheiro que o cliente paga, enviando a outra metade para o comerciante. Não resta muito para pagar sua mão-de-obra e infraestrutura.
Se seus banhistas forem pagos por comissão, eles serão pagos também pela metade?
Pior ainda do seu ponto de vista de comerciante, a popularidade dos sites de cupom alimenta uma mentalidade incansável de caça-descontos entre clientes que não os usavam antes. Tudo isso sem contar que a prática de divulgar descontos sempre atraiu, e sempre atrairá, um tipo de clientela mais crítica do que o normal, que é fidelizada apenas por preço – independente da qualidade do serviço, da sua tangibilidade ou de seu valor percebido. O cliente de promoções muda de prestador assim que o concorrente lança a sua promoção.
Portanto, fica evidente que se você conseguiu atrair clientes, qualquer outro consegue! Onde está a fidelização? O que acontece com seus clientes regulares? O que eles vão achar de você oferecer descontos para qualquer um depois de anos de compras fiéis?
E como você vai voltar ao seu preço original depois de uma promoção gigantesca?
Existem diversas histórias de horror sobre o que acontece quando você oferece descontos sem calcular o custo real para o seu negócio. Empresas que se baseiam em descontos controlam de maneira exata onde cada centavo entra e sai, sempre.
Sua reputação também fica em risco, de acordo com um novo estudo por pesquisadores da Universidade de Boston e Harvard, que analisaram milhares de promoções de sites de compras coletivas, e descobriram que os entusiastas de promoções são em média difíceis de agradar, mais críticos e menos dispostos com o comerciante.
A pesquisa descobriu que promoções de compras coletivas aumentavam subitamente o número de resenhas no guia norte-americano Yelp. Entretanto, as resenhas associadas a sites de compras coletivas exibiram, proporcionalmente, um número significativamente maior de notas negativas.
No Brasil, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) divulgou em outubro pesquisa indicando grande desrespeito ao consumidor por parte desses sites ; o site www.reclameaqui.com.br mostra um aumento súbito e crescente de reclamações nos últimos meses sobre os principais sites de compras coletivas do Brasil, onde o culpado não é apenas o site de compras, mas as empresas que não conseguem administrar a demanda causada por promoções.
Isso também se aplica a um banho e tosa. A sua equipe será capaz de atender à demanda extra de ligações e agendamentos? Se a sua oferta superar suas expectativas, você precisa se certificar que tem meios de garantir uma boa experiência para todos os clientes. E sinceramente, até que ponto é interessante você se aliar a um serviço que não tem como prioridade o respeito ao consumidor?
Conclusão
Nós, médicos veterinários, posicionamos nossos serviços no mercado de forma inferior ao usarmos promoções em sites de compras coletivas. Para proprietários de banho e tosa, espere filas e muitas ligações de clientes que precisam ser fidelizados, mas que dificilmente o serão. Tenha em mente que se o objetivo é apenas divulgar seu negócio, a compra coletiva só trará prejuízos.
Ao invés disso, crie conceitos promocionais similares que recompensem seus clientes fiéis primeiro, encorajem as pessoas a fidelizarem, enfatizem o cuidado na clínica ou banho e tosa, e que não desvalorizem seus serviços. Dessa maneira, você não compartilha renda com um intermediário nem desqualifica sua mão-de-obra.
O nome do jogo é interagir com seus clientes, construir sua marca, oferecer serviço superior por um preço justo e usar o marketing de maneira apropriada. Promoções em sites coletivos são uma ótima maneira de jogar dinheiro pela janela.
Sites de compras coletivas são sedutores – mas preste atenção nos diversos custos ocultos dessa estratégia de marketing.
ATUALIZAÇÃO (20/11/11): IDG Now!: Groupon, Peixe Urbano e ClickOn podem levar multa de R$ 6 milhões do Procon
Leituras recomendadas:
Groupon: Bad for Busineess? – Boston University
The 5 Pitfalls of Groupon for Veterinary Practices – Equine Vet Business
Groupon Is A Disaster – Business Insider
Vets, Groupon and cost of Discounting – Mike Falconer Blog
Can Groupon work for your practice? Veterinarians weigh in. – DVM 360
Coupon Sites Are a Great Deal, but Not Always to Merchants – The New York Times
Sites de compras coletivas desrespeitam consumidor, diz Idec – IDG Now!
Shand Lenim é médico veterinário, CRMV DF 2715, e diretor do blog Animal Marketing.